
Regresso ao meu tempo de criança e recordo os Natais então passados no seio familiar.
Família humilde a minha,mas uma casa cheia de gente,eram os pais ,tios,irmãos e primos.
Nesta quadra natalícia,havia um misto de mistério e de ansiedade,próprio das idades infantis.
Era uma" lufa... lufa"dos mais velhos,nos arranjos próprios para a noite da consoada,cujo prato tradicional da maioria das famílias portuguesas sendo o bacalhau,lá vinha para a mesa com o respectivo acompanhamento e também havia quem aprecia-se o atum.
Em seguida a mesa era composta de alguns doces;as filhoses,as fatias douradas feitas em casa,umas broas de milho,arroz doce ou aletria e o bolinho rei.
Eram lembrados os ente queridos,que já não estavam fisicamente,mas nos corações e na memória de todos permaneciam.
Os mais pequenos iam para a cama mais cedo, deixando os sapatinhos na chaminé,na esperança de os pedidos feitos serem atendidos.Assim ao acordar era uma corrida para receber as prendas deixadas pelo Menino Jesus.Lá estava o carrinho de folha ou de madeira e alguma roupa.Com quanto sacrifício,essas prendas eram compradas,sabe-se lá!..,mas tinham sempre a finalidade de juntar o útil ao agradável,pois a roupinha seria a domingueiro e para os dias Santos.Também recebia umas botas de couro que iriam ao sapateiro,para por cardas e protectores,de modo a que as solas durassem mais, e eram ensebadas.
Dá para imaginar as escorregadelas e tombos que eu dava!...
Mas o que mais recordo era o carinho com que todos vivíamos,havia sempre mais qualquer coisa,mais alegria à excepção de algum"acontecimento inesperado",mais entre ajuda e também a sinceridade,a verdade e o amor não eram palavras tão banalizadas, eram mais sentidas e solidárias,apesar dos sacrifícios que se fazia,pois não era nada fácil a vida nessas épocas.
A árvore de Natal sempre se enfeitava era um pinheiro que se comprava no mercado,mas não tenho na ideia de se fazer o Presépio.
No Dia de Natal lá ia à missa pela manhã, enquanto mãe e tias davam andamento ao preparo do almoço que quase sempre era galo ou galinha corados no forno.
Gostei sempre desta quadra,por diversas razões, havia uma caridade verdadeira e não uma caridadezinha, desprovida de certos valores e por vezes oca, como em muitas situações hoje se verifica cheias de imediatismo televisivo.
Tenho hoje a sensação que se voltou ás dificuldades de outrora,para muita gente.
Decorridos que são tantos anos,depois de uma alvorada de esperança, de liberdade devolvidas a este Povo sempre muito sacrificado,pelo menos as classes mais vulneráveis,nunca pensei ver o meu pais num tamanho retrocesso.
É este o mundo composto por governantes eleitos ou não, que constroem oligarquias,e de falsos profetas que enganam, humilham e escravizam os povos em proveito das suas ganâncias e dos luxos mais depravados,esquecendo a verdadeira doutrina que Cristo ensinou,mas que em nome d'Ele contraem benefícios em proveito próprio,debaixo e à sombra de uma qualquer batina-sotaina, escondendo muitos abusos anti-natura como os que hoje vêm constantemente à luz do dia, e muitos outros...com ou sem cabeção,vestimenta um pouco caídas em desuso,mas que a montagem de uma panóplia ao serviço de minorias ilustres continua.
Reconheço que nestas ultimas décadas tem havido algumas aberturas e mudanças e que existe um maior cuidado nas atribuições sociais e outras,na instituição "igreja".
Quando faço hoje o meu presépio e coloco aquela figurinha de barro nas palhinhas penso como falta tanto ainda à humanidade.
Cristo ao dar-nos este exemplo de estar despojado de todos bens materiais; -
Quem pode ser feliz espiritualmente se não tiver para dar aos seus, aquele mínimo exigível para a sua sustentação e de mais necessidades básicas?
E os que,materialmente nada lhes falta,mas que vivem num vazio espiritual,estando permanentemente angustiados,procurando ter mais e mais desmedidamente.Creio que não sejam felizes igualmente.
Fui criado dando valor ao que ia tendo, fruto do trabalho possuindo os bens materiais que julgo serem o necessário a um vivente, sem grandes supérfluos, mas chegando ao fim de cada dia feliz e agradeço a Ele, por me conceder saúde, podendo assim ganhar o pão para o meu sustento e dos meus.
Há um conforto quando se pode conciliar as duas situações, com amor, humildade e crer.
Traduzindo-se em algo que por vezes não encontro explicação para tanta força anímica, aonde a esperança está sempre presente e reforçada, no pensamento num futuro mais justo e equilibrado portanto mais promissor.
Não é fácil falar e compreender tais razões,mas sei que é possível no meu modesto entender.
Voltando ao meu presépio,enquanto criança não o fazia em casa,porque não tinha as imagens
Recordo que na paróquia da minha freguesia,num certo Natal, fizemos um representação teatral de um presépio ao vivo,aonde me coube o papel de pastor com a idade de sete ou oito anos, foi muito lindo ver o empenho do grupo.Na época pertencia à J.O.C.-Juventude Operária Católica,logo,como se pode depreender tive uma formação religiosa-católica.
Sempre presente na catequese,dedicado ao culto da Santa Missa,conhecedor dos paramentos que os sacerdotes tinham que usar para a celebração da Eucaristia,conforme a época do calendário litúrgico,bem como a preparação do Altar em conjunto com o dito sacristão,seria um pequeno acólito como hoje se diz, com os meus onze anos.Devido a este meu zeloso empenho,o mesmo não passou despercebido de um Sacerdote Missionário,que estaria disposto a ir falar com meus pais para me deixarem ir para um seminário,tal não aconteceu, pois foi chamado para as missões.
O gosto pelo presépio manteve-se, fui comprando umas figurinhas todos os anos,com as poupanças que ia fazendo,pois com doze anos já trabalhava, ganhando dez escudos por semana,o que entregava em casa ficando com o que a minha mãe me dava.
Durante anos fiz o presépio em casa dos meus pais,até serem chamados à presença do Criador.
Continuo todos os anos com o mesmo ritual,entregando-me à sua construção,pondo as figuras nos lugares mais condizentes,criando um cenário imaginário e olhando-O com exaltação, deixo-me lavar em pensamentos perante aquele quadro tão simples, mas de uma beleza tamanha, que me faz ver o quanto somos e o que somos.
A.R.Filipe